O Papa Pio XI publicou a Encíclica Divini Illius Magistri1 com o objetivo singular de proferir salutares palavras, ora de advertência, ora de incitamento, ora de direção, não só aos jovens e aos educadores, mas também aos pais e mães de família, acerca de vários problemas da educação cristã, tendo em vista haver em nossos tempos a falta de claros e sãos princípios.
A Educação cristã é de imensa importância porque direciona o homem a formar-se e portar-se na vida terrena de modo a alcançar o fim sublime para o qual foi criado, ou seja, a salvação de sua alma e de quem mais possa auxiliar, conhecendo, amando e servindo ao Seu Senhor, a fim de gozá-lO eternamente2.
O Santo Padre então manifesta a excelência da obra da educação cristã por ser um meio eficiente para assegurar o Sumo Bem às almas dos educandos e a máxima felicidade possível à sociedade humana. Portanto, este é o modo mais eficaz de cooperar com Deus no aperfeiçoamento das pessoas, mediante a impressão da mais poderosa e duradoura direção na vida, pois o “o jovem mesmo ao envelhecer, não se afastará do caminho trilhado na sua juventude”3.
A função primordial da Igreja e o auxílio essencial das Famílias e do Estado
Há constatada superioridade da Igreja em exercer a missão educativa, mas não exclusividade, pois, enquanto exerce a ordem superior e sobrenatural da educação, cede ao Estado e à Família a ordem natural, de modo que a primeira ordem eleva e aperfeiçoa a outra, e ambas prestam auxílio entre si.
A Família recebe tão logo a missão de Deus e o direito de educar a prole, inalienável e inseparável, anterior a qualquer ação da sociedade. É ainda direito inviolável, que não pode ser suplantado por qualquer ação externa. Por isso, citando o cânone 1113 do Código de Direito Canônico de 1910, o Papa Pio XI destacou que os pais são gravemente obrigados a cuidar da educação de seus filhos, seja ela religiosa, moral, física e civil.
Importante frisar que nos dizeres do Papa, o poder educativo dos pais, embora inviolável, não é absoluto ou despótico, pois é inseparável da subordinação ao fim último de todo cristão, como alude também o Santo Padre Leão XIII na Carta encíclica Sapientiae Christianae:
Por natureza os pais têm direito à formação dos filhos, com esta obrigação a mais, que a educação e instrução da criança esteja de harmonia com o fim em virtude do qual, por benefício de Deus, tiveram prole. Devem portanto os pais esforçar-se e trabalhar energicamente por impedir qualquer atentado nesta matéria, e assegurar de um modo absoluto que lhes fique o poder de educar cristãmente os filhos, como é da sua obrigação, e principalmente o poder de negá-los àquelas escolas em que há o perigo de beberem o triste veneno da impiedade.
De modo a assegurar tamanha função, as famílias, durante a história da Igreja, sempre demonstraram intensa confiança nas escolas católicas, por verdadeiramente confiarem na orientação superior da Igreja, que sempre se preocupou em recordar aos pais o dever de batizar e educar cristãmente os filhos.
A Igreja, por direito divino, e a Família, por direito natural, sempre auxiliaram as crianças a alcançar a educação por excelência. Os pais, cuja função primeira é educar os seus, sempre reconheceram humildemente o título da Igreja de Mestra da Verdade, capaz de fornecer os meios mais eficazes para se chegar ao conhecimento de Deus.
A outra figura da ordem natural é o Estado que, primeiramente, não deve usurpar a função precípua da Igreja e da família, a não ser que tenha que suprir alguma deficiência desta última, competindo-lhe promover o bem comum e temporal, o qual também se dá pela preocupação com a educação.
Portanto, é dever do Estado proteger com as suas leis o direito anterior da família sobre a educação cristã da prole e por consequência respeitar o direito sobrenatural da Igreja a tal educação cristã.
O Estado deve, enfim, favorecer e ajudar o esforço da Igreja e das famílias, completando-o, quando houver alguma insuficiência, por meio de escolas e instituições próprias, desde de que sempre com o objetivo de proteger a educação moral e religiosa da juventude.
Os erros modernos na educação
Tanto a Igreja quanto as verdadeiras famílias católicas e os Estados fiéis à sã doutrina lutam contra tudo o que não direcione a educação das crianças e jovens à formação sobrenatural, ou seja, ao que o Papa nomeia de naturalismo pedagógico. Deve-se negar ainda tudo o que afaste os educandos da essencial doutrina do pecado original e da graça, tamanho é o valor de, desde a mais tenra idade, conhecer a necessidade de corrigir as inclinações desordenadas, excitar e ordenar as boas e sobretudo iluminar a inteligência e fortalecer a vontade com as verdades sobrenaturais e os auxílios da graça, sem a qual não se pode, nem dominar as inclinações perversas, nem conseguir a devida perfeição educativa da Igreja, perfeita e completamente dotada por Cristo com a divina doutrina e os Sacramentos.
O erro está também em todo o sistema que apela para uma autonomia deliberada e ilimitada da criança, ao ponto de suprimir a autoridade do educador. Faz-se isso como se a verdadeira educação católica não aplicasse a cooperação ativa do aluno na sua própria educação, o que é inverídico, pois a hierarquia e o governo não suprimem a criatividade natural das crianças nem prejudicam o aprendizado, mas o enriquecem.
Esta atuação externa à Igreja apresenta uma subtração sistemática da dependência que a educação dever ter da lei divina. Buscam-se códigos morais e universais de educação, na medida em que os dez mandamentos, a tradição católica e a própria lei natural são postas de lado.
Há ainda um levante em favor da alfabetização tardia, baseada no chamado construtivismo4, baseado na ideia de que o aluno não deve ser alfabetizado logo tão novo por ser o processo de alfabetização algo permanente. A ideia é retardar o exercício da linguagem e o estudo do sentido das palavras, por não haver necessidade de que o sistema alfabético seja ensinado cedo, como sempre se fez. Em meios práticos, isto traz, obviamente, uma dificuldade de aprendizado natural da criança na fase primária, já que na fase inicial foi-lhe negada a alfabetização completa.
O construtivismo, paradoxalmente, baseia-se em tudo que deseja destruir o ideário católico, dentre os quais se destacam as ideias progressistas do iluminismo, no qual o homem é composto como ator principal da história, no lugar de Deus, e a doutrina do pecado original é afastada, visto que, como expressa Rousseau, “o homem é bom, a sociedade o corrompe”. O naturalismo, sobre o qual adverte Pio XI, ganha força aqui e dá uma vazão catastrófica à educação, pois tudo passa a se basear na libertação dos chamados instrumentos de opressão, dentre os quais estão os meios tradicionais de educação e a própria escola.
Por esta construção, surge uma pedagogia revolucionária, na qual há uma excessiva centralidade no aluno ativo, de modo que o professor passa a ser apenas um colaborador. A função do mestre de ensinar o conhecimento adquirido torna-se prejudicada e dá vez ao descobrimento individual do aluno.
A solução é a escola católica
Todo erro que recai sobre a Terra possui uma solução, então todo arcabouço errôneo construído em volta da educação pode ser combatido.
Este combate é feito por meio das bases já demonstradas no primeiro tópico. A primeira delas é senão a mais importante. A Igreja sempre combateu todos os erros agindo mediante seus sacramentos, ritos, pela liturgia e pela arte, mas no que se refere à educação, cita-se mais precisamente seu envolvimento por meio das escolas, associações e outras instituições que auxiliam na formação da juventude na piedade religiosa e no estudo das ciências.
Essencial também é a ação poderosa da família cristã que, nadando contra a maré dos erros modernos, exerce o papel precípuo de solidificar a educação dos filhos baseada na sã doutrina, sendo por vezes necessário o estudo e a paciência doméstica para bem instruir os pequenos.
Salutares as palavras do Papa ao dizer que é admirável quando há harmonia entre a Igreja e a família, de modo que se pode expressar que ambas constituem um único templo da educação cristã.
O terceiro item naturalmente seria o Estado, mas na verdade, o Papa nos chama atenção com as seguintes palavras: sendo necessário que as novas gerações sejam instruídas nas artes e disciplinas com as quais aproveita e prospera a convivência civil, e sendo para esta obra a família, por si só, insuficiente, daí vem a instituição social da escola.
A escola é, portanto, uma necessidade da família e vem da iniciativa desta e da Igreja e, subsidiariamente, quando necessário, do Estado. Veja, a escola não substitui o papel familiar ou o supremo poder educacional da Igreja, mas de maneira complementar deve agir de modo a harmonizar-se positivamente com ambas. É, portanto, um grande ponto de alcance do objetivo principal da educação cristã.
Para que exerça de maneira louvável seu papel, é necessário que a escola seja católica confessional, ou seja, é indispensável que todo o ensino e toda a organização da escola: mestres, programas, livros, em todas as disciplinas, sejam regidos pelo espírito cristão, sob a direção e vigilância maternal da Igreja católica, de modo que a Religião seja verdadeiramente fundamento e coroa de toda a instrução, em todos os graus, não só elementar, mas também media e superior.
Se a escola serve, antes de mais nada, para auxiliar na educação fornecida pela família e pela Igreja, não se pode afirmar que conseguirá exercer sua função precípua quando estiver dividida em métodos diferenciados de ensino ou se for claramente laica.
Por isso, numa realidade como a atual, onde os estados não confessam a verdadeira fé, o papel das famílias em prol das escolas católicas é indispensável. Segundo Pio XI, deve-se fazer uma verdadeira Ação Católica em favor da Escola, de modo a promovê-la e defendê-la por aqueles que ainda não conseguem defender-se, as crianças e jovens. O Papa então proclama que tamanha é a importância dessa ação:
Por esta razão, procurando para seus filhos a escola católica (proclame-se bem alto e seja bem compreendido por todos) os católicos de qualquer nação do mundo não exercem uma ação política de partido, mas sim uma ação religiosa indispensável à sua consciência; e não entendem já separar os seus filhos do corpo e do espírito nacional, mas antes educá-los dum modo mais perfeito e mais conducente à prosperidade da nação, pois que o bom católico, precisamente em virtude da doutrina católica, é por isso mesmo o melhor cidadão, amante da sua Pátria e lealmente submisso à autoridade civil constituída em qualquer legítima forma de governo.
É também por meio das escolas católicas que os erros modernos podem se esvair:
Nesta escola, em harmonia com a Igreja e com a família cristã, não acontecerá que, nos vários ramos de ensino, se contradiga, com evidente dano da educação, o que os discípulos aprendem na instrução religiosa; e se for necessário fazer-lhes conhecer, por escrupulosa consciência de magistério, as obras erróneas para as refutar, que seja isso feito com tal preparação e tal antídoto de sã doutrina que resulte para a formação cristã da juventude grande vantagem e não prejuízo.
Por meio delas, deve-se buscar tudo que é essencial, que por decadência de nossos tempos está se perdendo, como o estudo da latinidade e da sã filosofia tomista, distanciando-se da corriqueira superficialidade. Necessário ainda é criar a aptidão e solidez no ensino das letras e das ciências estando tudo isto sempre conforme a fé católica.
Conclui-se, portanto, pela importância e necessidade da escola católica, que, de maneira a complementar a função da Igreja e da família, envolve-se no fim próprio da educação cristã, ou seja, o de cooperar com a graça divina na formação do verdadeiro e perfeito cristão, na formação do homem sobrenatural que pensa, julga e opera constantemente e coerentemente, segundo a sã razão iluminada pela luz sobrenatural dos exemplos e doutrina de Cristo.
- Grande parte deste artigo foi baseado na Encíclica Divini Illius Magistri do Papa Pio XI, de 31.dez.1929. Todas as frases em itálico do texto foram retiras ipsis literis da mencionada encíclica.
- Questão 55 do Catecismo de S. Pio X.
- Prov. XXII, 6
- Fonte: OLIVEIRA, João Batista e Araújo, LEREIS COMO DEUSES, A tentação da proposta construtivista – 2006.